A PUREZA DA LINGUAGEM ESTILHAÇADA

( Tribuna da Imprensa , Tribuna Bis, 14 de junho de 1995)

Há cinco anos , o professor e crítico Luiz Costa Lima , em importante prefácio-ensaio sobre a poesia de Armando Freitas Filho , afirmava que o momento da criação literária pertencia aos poetas . Na ocasião , Costa Lima enunciava as razões que o levavam a crer na supremacia dos poetas sobre os prosadores . Meia década depois , verifica-se que ele estava certo : se os anos 60 e 70 foram dos prosadores – naturalmente englobando-se neste termo os ficcionistas, cronistas, jornalistas e ensaístas – os anos 80 e esta primeira metade da década de 90 foram e estão sendo dominados, incontestavelmente, pelos poetas .

Nestes últimos 15 anos , foram incontáveis os lançamentos poéticos, patrocionados ou não por grandes editoras , além de importantíssimos estudos , teses e ensaios aobrdando a temática . Tampouco podemos esquecer as reuniões de obras de poetas vivos e mortos , como Ferreira Gullar, Adélia Prado , Moacyr Félix, Affonso Romano de Sant'Anna, Marly de Oliveira e Gilberto Mendonça Teles (no primeiro caso ) e Augusto dos Anjos , Cecília Meireles, Murilo Mendes, Fernando Pessoa , Dante Milano e Augusto Frederico Schmidt (no segundo ).

Não obstante , o principal feito que garantiu a supremacia dos poetas sobre os prosadores ocorreu em 1992, com a entrega do Neustadt Prize – honraria nternacional concedida anteriormente a poetas como Francis Ponge e Elizabeth Bishop – ao poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto , promovida pela Universidade de Oklahoma. Acrescente-se a informação de que João Cabral foi o primeiro escritor de língua portuguesa a receber tal distinção .

Inserido nesse contexto otimista , o poeta carioca Alberto Pucheu – que estreouu em 1993, aos 27 anos , com “Na cidade aberta ” ( editora da Uerj) – está lançando o segundo livro , “ Escritos da freqüentação ” (Paignion), que define e consolida seu estilo poético. Pertencente à estirpe dos “poetas-filósofos” ou “filósofos-poetas”, Pucheu, formado em filosofia , surge no cenário poético brasileiro disposto a realizar um trabalho sério e profundo com a linguagem , a exemplo de outros colegas de geração , como Carlito Azevedo, Alexei Bueno, Cláudia Roquette-Pinto e Michelle Gueraldi.

Neste volume , ele reescreve vários versos do primeiro livro , com o intuito de depurar e reinaugurar sua dicção poética . Assim , se anteriormente Pucheu registrara a fala dos tipos que compõem a cidde, desta vez ele prefere transformar a própria urbe em palavra concreta : “ Começo os alicerces da/ cidade / com apenas seis letras ”.

Sua obsessão pela cidade e pelo trabalho de linguagem nos faz pensar em João Cabral de Melo Neto , num primeiro plano . Mas a diferença é nítida . Em Cabral, há o predomínio do referencial concreto : o poeta só escreve sobre o que vê e sente, limitado por seu método . Alberto Pucheu é menos rigoroso , ao se dedicar a abstrações filosóficas (inspirado em Heráclito e Heidegger) e, não raro , surpreende o leitor positivamente : “ Com poetas , menosprezá-los mediante o pensamento ; com pensadores , menosprezá-los mediante a poesia ”.

“ Escritos da freqüentação ” é uma densa reflexão filosófica sobre a palavra e suas origens . Desde o primeiro poema , “ Genealogia ”, o poeta assume sua condição de semi-deus da linguagem , filtrando a realidade que o cerca , por intermédio da escrita : “Do esbarro da mão / em uma língua / nasce um mundo (...) Quantos potes de tinta / pra escrever a palavra gol ? (...) O pensamento quando expulsa as palavras / é seqüestrado por elas ”.

Assim , se no primeiro livro Pucheu freqüentou o mundo para poder descrevê-lo, nesta nova experiência o mundo freqüenta o poeta , que novamente o descreve, mas sob outro prisma – o da linguagem . Ao lançar nas páginas “ lascas , estilhaços , fragmentos de frases e poemas ”, Pucheu optou pela elipse e pela contenção à distinção . Os leitores agradecem

 

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