A Sombra do Leopardo e A Vida É Assim

(revista Veja, 1 de agosto de 2001)

Há tempos o escritor Sergio Cohn se dedica ao trabalho ingrato de divulgar poesia. Tinha uma revista literária e acaba de fundar uma editora, ambas de nome Azougue. A nova casa chega ao mercado com quatro lançamentos: duas antologias de escritores cuja obra remonta às décadas de 60 e 70 (Celso Luiz Paulini e Afonso Henriques Neto) e duas coletâneas de autores que estrearam nos anos 90 (Alberto Pucheu e Claudio Daniel). Fiquemos com esses últimos. São escritores antagônicos. Claudio Daniel é amigo da fragmentação, das estranhezas semânticas, das violentas sobreposições de imagens. Move-se entre referências, de Sun Tzu a Montaigne, da Austrália ao Tibete. Já Pucheu vai no sentido inverso. A sintaxe passa incólume por suas mãos. Ele recorre a construções coloquiais, não usa preciosismos ou metáforas intricadas. Seus efeitos poéticos decorrem sobretudo do domínio sobre o ritmo dos versos livres. E é possível identificar um tema dominante em seu livro: o que significa viver como poeta. Mas cuidado. Apesar de escrever versos como "não deixe a cultura abafar a realidade", Alberto Pucheu não é um primitivo. Tem tanta consciência quanto o altamente técnico Claudio Daniel de sua posição no espectro literário. Se Daniel é do partido de João Cabral de Melo Neto e dos concretistas, Pucheu se alimentou de Bandeira e Drummond, de Álvaro de Campos (o heterônimo de Fernando Pessoa) e, talvez, dos poetas marginais dos anos 70. O contraponto entre os dois autores, portanto, ajuda a enxergar mais uma vez a existência de duas linhagens bem marcadas e divergentes da poesia brasileira do século XX: uma cerebral e formalista, a outra mais discursiva e sem desdenho pelo conteúdo. Ambas estão vivas. Mas é difícil escapar da sensação de que, quanto mais tardios os rebentos da linhagem formalista, mais eles se atolam num hermetismo estéril, num trabalho de alquimia verbal que nem sempre recompensa o leitor com surpresas.

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