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UM POETA EM PROGRESSO
( Tribuna da Imprensa , Tribuna Bis, 28 de outubro de 1998)
Há algo de novo sob o sol de Pasárgada: uma voz independente e única , solitariamente maturada ao longo de, no mínimo , cinco anos de criação lírica . Essa voz tem um dono : pertence ao jovem filósofo e poeta carioca Alberto Pucheu.
Aos 32 anos , três livros publicados, Pucheu começa a despontar para a crítica mais atenta . Seu excessivo pudor , aliado à mais absoluta integridade moral – qualidade rara no meio intelectual contemporâneo -, o impede de freqüentar as “igrejinhas” que sepultam ou incensam, semanalmente , diversos nomes da poesia brasileira . Porque o poeta sabe que , sem concessões , sua autonomia permanece intacta . Interessa-lhe, apenas , construir uma obra . Fazer poesia . E da melhor qualidade possível .
Alberto Pucheu é, por excelência , um poeta em progresso . Sua obra é cada vez mais trabalhada, num processo de construção permanente e novo . A evolução é nítida : basta comparar o livro de estréia , “Na cidade aberta ”, com o último , “A fronteira desguarnecida”, objeto desta análise . Se o primeiro já revelava um poeta em potencial , de acordo com a certeira observação de Ítalo Moriconi no prefácio da obra , neste terceiro trabalho constatamos que Pucheu tornou-se senhor do seu ofício , com pleno domínio da técnica e da linguagem poética .
Há três anos , teci comentários , aqui mesmo neste espaço ( Tribuna da Imprensa , 14/06/95), acerca do segundo livro do poeta , o admirável “ Escritos da Freqüentação ”. Até então , Pucheu já dera um importante salto : saíra de uma boa estréia – ainda que sem dicção própria – para um segundo trabalho mais sólido e autoral, prenunciando a fase em que atualmente se encontra.
Neste “A fronteira desguarnecida” – livro de título eliotiano, embora o autor não guarde qualquer outra semelhança com o poeta de “The waste land” -, Pucheu retoma suas duas grandes obsessões : a paixão pela cidade e pelo trabalho de linguagem . Em verdade , o poeta vem reescrevendo o livro de estréia obstinadamente , acrescentando referências e trabalhando sempre sob um novo enfoque , porém sem abandonar a lírica de reflexão , característica básica do seu ofício .
Se a poesia é “a hesitação entre o som e o sentido ”, como queria Valéry, Pucheu vem construindo uma obra que corresponde plenamente a essa definição . Sua escritura é o resultado de uma simbiose perfeita entre forma e fundo . O poeta tem o que dizer e, sobretudo , sabe como dizer .
Em busca por uma expressão mais acurada, levou o autor a adotar , neste novo livro , um gênero ousado : o poema em prosa , arriscada experiência-limite entre o poético e o prosaico . Utilizada inicialmente em larga escala pelos simbolistas franceses, a exemplo de Baudelaire e Rimbaud; redimensionada mais tarde por René Char ( referência obrigatória para a poesia francesa dês século , serviu também de mote para um belo poema do livro “in casu”) e desenvolvida , entre nós , por nomes tão díspares como Cruz e Sousa e Ferreira Gullar, a poesia em prosa tem, em Alberto Pucheu, um habilidoso cultor. Desde o texto de abertura , que dá nome à obra , passando pela primeira parte , composta por onze peças ligadas essencialmente aos dois livros anteriores , sentimos a força e a intimidade do poeta com o gênero escolhido. Mas é em “ Espólios ”, título oportuno da segunda parte do volume , que se encontram os poemas mais significativos . Textos como “Tróia revisitada”, “Lascaux”, “ Poema em vão ”, “ Canto de morte de um tamoio morto há quatro séculos ressuscitado hoje em mim ”, “O alferes ” e “ Canudos ”, nos dão a medida exata do invulgar talento de Pucheu.
“A fronteira desguarnecida” se encerra com “ Excertos a ponto de página ”, bloco formado por poemas-pílulas bem ao gosto do autor , que , a exemplo do que já fizera no livro precedente, elabora, desde as primeiras páginas da obra , suas próprias definições : “ Ausência de palavras , preguiça do homem ; excesso delas, estafa ”; “(...) as palavras (...), últimos redutos da aventura ”; “ Murmúrios ... fetos de linguagem ”; “O mais novo interdito : não há lugar para o livro ./ Transgressão em exercício : o livro como lugar ”; “ poesia : um exclamativo tautológico ”.
Penso em Pucheu e nos principais nomes da poesia brasileira que se firmaram nesta década : Adriano Espínola, Nelson Ascher, Carlito Azevedo, Alexei Bueno e Clauda Roquette-Pinto. O autor deste “A fronteira desguarnecida” foi o único que efetivamente manteve e continua mantendo uma postura à parte , com relação à lírica contemporânea . Não pagou tributo a João Cabral ou aos concretos . Não aderiu tardiamente à poesia marginal , e muito menos ao neoparnasianismo ou ao neo-simbolismo, estilos dominantes neste Brasil de fim-de-século (Manoel de Barros , outro independente , é o paralelo mais próximo do jovem poeta ). Passou incólume por todos esses movimentos e, talvez por isso , foi menos lido. Até agora . Sua poesia começa a aparecer , e com força . “A fronteira desguarnecida” ganhou o Prêmio de Poesia da Biblioteca Nacional /INL, para obra em curso . Nomes como Domício Proença Filho , Leonardo Fróes e Marco Lucchesi já escreveram sobre Pucheu. Assis Brasil inculiu-o em sua “ Antologia da poesia fluminense do século XX”, e Heloísa Buarque de Hollanda, em breve , fará o mesmo (Pucheu está entre os poetas selecionados para integrarem uma nova antologia da professora, que desta vez pretende radiografar os rumos da poesia brasileira nos anos 90).
Eis um poeta que , para o bem da própria poesia , precisa ser lido.
Há algo de novo sob o sol de Pasárgada.
Quem viver , lerá.
RICARDO VIEIRA LIMA |