ENTRE PRESENÇA E AUSÊNCIA, SILÊNCIO E PALAVRAS

(Resenha sobre Ecometria do silêncio, de Alberto Pucheu. Editora Sette Letras, 55 páginas, no Prosa e Verso , O Globo , 8/1/2000)

Ao contrário do que muitos vêm alardeando, não atravessamos um período de estagnação poética. A crítica literária, ainda sob o impacto das obras dos grandes poetas deste século, procura atribuir a ausência de movimentos de grupo e de manifestos poéticos a uma insipidez ou uma debilidade na poesia dos que começaram a publicar a partir dos anos 90. Com freqüência, confunde-se fragmentação e pluralidade de referências literárias com dispersão e fragilidade poéticas.

A tese reinante é a de que, na impossibilidade de encontrar uma tendência definida e válida para o conjunto da geração atual, deva-se considerar qualquer poesia como experimentalismo técnico ou articulação das conquistas poéticas do século XX. É nesse cenário depauperado que se funda uma crítica culturalista, tendendo a valorizar a poesia como expressão de uma determinada família ou tribo em detrimento do que está na raiz do fazer poético, a criação.

Há, sim, uma nova poesia sendo produzida no Brasil, ainda que falte um pensamento crítico capaz de identificá-la. A recente aparição de "Ecometria do silêncio", quarto livro de poemas de Alberto Pucheu, está aí para prová-lo: mergulhado na fragmentação da linguagem, do sujeito e do próprio ato de escrever, distante dos grupos literários e dos circuitos que envolvem mídia e grandes editoras, Pucheu vem construindo uma obra que, além de apresentar desdobramentos poéticos maduros, tem a característica de trilhar seu próprio caminho.

"Escrevo o poema de uma nova geração" é um dos motivos perseguidos em "Ecometria do silêncio". Entenda-se geração no sentido de gerar, dar origem, criar. E justamente por originar algo de novo, cria-se e define-se uma nova linhagem poética. Sem se contentar em ser uma versão experimental de alguma poética precedente, Pucheu funda suas próprias bases. Seu percurso, fugindo da apatia pós-moderna, constitui-se essencialmente da procura das tensões, entre homem e cidade ("o corpo manuseado pela rebelião sísmica da cidade"), entre palavra e silêncio ("Tudo já foi dito. Tudo, ainda por dizer. Arde o segredo do indizível"), entre presença e ausência ("descanso, enfim, no exílio inexistente da caverna"), entre tudo o que produz inquietação ("Conquisto a cada dia uma espécie de permanência, de confiança, na perplexidade que o mundo oferece (...) Vivo a instabilidade das propensões, submetido aos ditames do provisório").Há no livro uma busca incessante da intimidade com o que é instável, com o que advém de uma fronteira desguarnecida. Essa intimidade é obtida através da desestabilização da relação com a vida e com o mundo. Assim como Drummond, que ao ver seus amigos taciturnos, não quis ser o poeta de um mundo caduco, Alberto Pucheu, sem promover utopias nem abandonar-se a saudosismos, quer descobrir sua matéria no tempo presente.

Quem teve a oportunidade de acompanhar seu percurso sabe que "Ecometria do silêncio" é a conquista de uma maturidade poética, representando um desenvolvimento pleno para o que foi posto à prova nos livros anteriores. Desde "Na cidade aberta" (1993), passando por "Escritos da freqüentação" (1995) e por "A fronteira desguarnecida" (1997), ele teve o mérito de não se apoiar demasiadamente nos poetas do seu tempo, mantendo sua aposta na gestação de um movimento independente. Sua poesia não é a expressão de seu tempo. Ao contrário, ela constrói uma região própria, em ruptura com o que a precedeu. Essa é a sua maturidade.

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