RESENHA: EVANDRO NASCIMENTO

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DIÁLOGOS COM AGAMBEN

Resenha do livro “Nove Abraços no Inapreensível; filosofia e arte em Giorgio Agamben”, organizado por Alberto Pucheu (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2008), por Evando Nascimento, no caderno Prosa&Verso, de O Globo, no dia 18 de abril de 2009, página 5

Um dos mais discuti­dos pensadores con­temporâneos, o italia­no Giorgio Agamben tem seu trabalho abordado de várias perspectivas nesta oportuna coletânea. Os textos de Agamben tra­zem as marcas de suas leitu­ras: Benjamin - cujas obras editou em italiano -, Heideg­ger, Foucault, Deleuze, Derri­da. Há a deliberação de dialo­gar com os mestres, filtrando o que lhe interessa e imprimin­do sua própria assinatura. Is­so implica acertos e equívo­cos; em todo caso, ganha o de­bate intelectual com esse pensamento vivo, num estilo en­tre o ensaio e o aforismo.
Em Agamben, a questão es­tética é inseparável da políti­ca. Sua filosofia não se reduz a um esteticismo inócuo, a ne­gar qualquer vínculo entre vi­da e arte. Mas nele a politização da estética não equivale à estetização da política, pois esta, como ele sabe, resultou no espetáculo facista e no realismo socialista, ambos empobrecedores da arte e da participação política efetiva.
Textos essenciais no âmbito filosófico ou cultural

Considerar Agamben o mais importante filósofo em ativida­de hoje, ainda que sob a modu­lação de um talvez, seria uma forma ingênua de avaliar a im­portância da sua obra, pois transformaria a história do pen­samento numa corrida de reve­zamento, em que o último a tra­zer o bastão seria o vencedor. A importância de uma obra filosó­fica se afere tanto na imediati­cidade das respostas, quanto, ou sobretudo, na duração e na qualidade dessa recepção.
O ensaio de Raúl Antelo se ocupa do livro "Profanações" (2005), que, por ser recente, dá uma boa medida das atuais inquietações do pensador ita­liano. Duas são as questões que Antelo argutamente abor­da. A primeira seria o modo como Foucault deslocou a questão clássica do autor para a função-autor. Em vez de sina­lizar a autoidentificação de uma presença, a função-autor indicaria como o sujeito se au­senta da obra e os vestígios desse procedimento. Se a obra coincidisse com seu autor, bastaria substituí-la por uma biografia relevante. É por di­zer mais que seu autor que ela pode ser lida sem a vigilância paterna e até mesmo com o apagamento da origem. Segun­do Agamben, "Existe um sujei­to-autor, e, no entanto, ele se atesta unicamente por meio dos sinais de sua ausência".
A outra questão é mais espi­nhosa e constitui uma das apo­rias de Agarnben. Trata-se da
consideração de que o capitalismo se tornou a reli­gião de nossos dias. Se as reli­giões tradicionais atuam no sentido de separar uma parte da existên­cia, atribuindo-lhe uma função sagra­da, em detrimento do elemento pro­fano, o estágio contemporâneo da sociedade capi­
talista investiria tudo no valor cultual de mercadoria. O fetiche mercadológico transmutaria mesmo o universo profano em objeto de culto, imantado pelas leis sagradas do mercado. O ca­pitalismo se transformou no rei­no do Improfanável, em que to­da tentativa de profanação é re­convertida em devoção à deusa Economia. A solução, para Agamben, seria praticar gestos de profanação, que interrompe­riam os dispositivos do sistema, tornando-os inoperantes e resti­tuindo o que é legitimamente humano ao uso comum.
Pelos exemplos dados (a criança que toma os objetos da vida adulta como jogo, o gato que brinca com um novelo co­mo se fosse rato, a atriz pornô que ostenta a máscara da indi­ferença, frustrando os "consu­midores"), fica difícil imaginar a efetividade des­sas profanações. Ademais, essas táticas profanatórias lembram prá­ticas transgresso­ras, as quais, co­mo demonstrou Bataille, acabam reforçando a nor­ma, em vez de abalá-la. O que tornará algum dia o sistema sacrali­zador de fato ino­perante será o desmascaramento da oposição entre o sagrado e o profano, pois enquanto perdurar o valor de culto, que Benjamin tão bem desconstruiu, nada escapará do retorno ao fundamentalismo re­ligioso, político ou econômico.
Do mesmo modo, os outros ensaios da coletânea expõem a relevância e os impasses a que levam a obra de Agamben. Sabrina Sedlmayer, coorganizadora do excelente "O comum e a experiência da lingua­gem" (também sobre Agam­ben, Ed. da UFMG), explora o conceito de comum, do livro "A comunidade que vem", as­sociando-o a Bartleby, perso­nagem de Melville, comentado por Deleuze e Derrida. Como mostra Sedlmayer, igualmente o escritor catalão Enrique Vi­la-Matas explorou a dubieda­de do pedaço de frase repeti­do por Bartleby até a morte: "I would prefer not to" ("Eu pre­feria não"). Agamben vê em Bartleby uma "potência passiva", capaz de fissurar o dogma opositivo entre indivíduo e co­letividade, inércia e ação.
A assinalar, ainda, a contri­buição de Susana Scramim, que aborda o tema da expe­riência, linguagem e morte, e do português João Barrento, numa erudita discussão sobre escrita em Agamben, com refe­rências a Novalis, Michaux, Nietzsche e Barthes, que pra­ticaram a arte fragmentária das "formas mínimas".
Os textos de Agamben avul­tam essenciais no âmbito filo­sófico e cultural, oferecendo sua força e sua fragilidade à re­flexão.

EVANDO NASCIMENTO é professor na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de "Retrato desnatural" (Record)

 

 

 

 

 

 

 

 

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