Eduardo Guerreiro B. Losso, Jornal do Brasil, Caderno Ideias
RIO DE JANEIRO - Nove abraços no inapreensivel, livro organizado pelo poeta e professor de teoria da literatura Alberto Pucheu sobre o filósofo Giorgio Agamben, possui vários méritos. Pucheu focou não a segunda fase de seu trabalho, a política, mas a primeira, a menos conhecida e discutida porém não menos importante, aquela que aborda a relação da filosofia com a literatura, poesia, estética e crítica; ainda que, como o organizador esclarece, tal diferença entre o 'jovem' e o 'maduro' Agamben não seja tão precisa, e que mesmo depois do livro de virada, Homo sacer, haja outros momentos que estendem as preocupações iniciais.
Ordem cronológica
Seguindo a proposta, o organizador selecionou os nove livros dessa vertente de modo que cada artigo se ocupa respectivamente de cada um deles em ordem cronológica, daí o poético título ser bem adequado: trata-se de nove abraços no 'inapreensível Giorgio Agamben', abarcando o lado menos discutido do corpus da obra. Por conseguinte, o êxito da organização redundou nas qualidades do livro: os artigos são simultaneamente didáticos (boas introduções à obra), críticos (singulares e densos enfoques de cada livro) e estéticos (refletem a preocupação do pensador em aproximar a filosofia da poesia de modo a incorporá-la na própria escritura; absorver não o ideal romântico da 'criatividade poética', mas a própria 'descriação' da arte moderna para fortalecer a negatividade da crítica, sendo essa, justamente, a grande questão poética e teórica da trajetória do organizador).
O artigo de Pucheu introduz a ruptura entre a filosofia, que retém o saber sem prazer, e a poesia, que pratica o gozo da linguagem sem o saber, encontrando na crítica a estância de problematização da 'palavra despedaçada' na cultura ocidental. A estratégia da crítica do filósofo é, segundo João Barrento, apresentar blocos de pensamento que emergem dos livros 'como ilhas flutuantes', onde cada fragmento funciona como um sistema intensivo. Contudo, a brevidade de sua extrema expressividade não deixa de conter grandes aspirações. Susana Scramim analisa o projeto de uma revista a ser feita juntamente com Ítalo Calvino e Claudio Rugafiori – introduzido também no artigo de Carlos Eduardo Schmidt Capela – que chega ao ponto de ambicionar renovar o papel da filologia para devolver potência à literatura e à filosofia, retomando a idéia de Schelling de uma nova mitologia que abolisse a separação entre coisa transmissível e ato de transmissão.
O contexto do retorno da ciência a anseios de reunificação não é mais o da proximidade com a natureza, mas o da tentativa de Baudelaire de compreender a vida urbana como mito, para revelar o sagrado na metrópole profana, como pretenderam os pesquisadores da sociologia francesa como Georges Bataille. Esta problemática é também examinada por Raul Antelo, que observa, neste caso, um “processo extremamente complexo de secularização da experiência religiosa, com a concomitante sacralização da esfera artística”. Enquanto Sueli Cavendisch se detém na autonomia da arte – com sua separação de todo conteúdo moral e religioso, radicalizando-se na ironia que não leva a sério mais nenhum conteúdo, tornando a arte o seu próprio objeto e resultando num nada auto-aniquilador – Antonio Teixeira aponta que esse mesmo processo de negação do mundo leva Agamben a reencontrar os místicos e cabalistas do século 13, que faziam da ausência de querer a afirmação da potência absoluta divina.
É nesse sentido que Agamben retoma tesouros escondidos do pensamento e da poesia medievais como meios de repensar a modernidade, somando-se à tendência mais comum de valorizar a Idade Média a partir do olhar moderno. É nos trovadores, por exemplo, segundo Carlos Eduardo Schmidt, que o desejo passa a ocupar uma posição de destaque em relação à razão, redescobrindo o aspecto inventivo da retórica, na época desmerecida pela teologia. Para eles o amor é a própria experiência do advento da palavra poética que vivencia o desejo de um objeto inatingível. A poesia é o gozo da linguagem, mas sua expressão ambígua resulta numa mistura de prazer e desprazer, esperança e desespero. É nela, portanto, que a dimensão afetiva do niilismo aparece no fracasso do eu lírico.
Essência do niilismo
Cláudio Oliveira sublinha que, no livro A linguagem e a morte , 'a essência do niilismo coincide com a essência da arte', momento moderno de queda da metafísica. A tentativa de sua superação por Heidegger e Derrida não fez mais do que reconduzir à luz sua estrutura negativa inerente. A possibilidade de superação do niilismo (e não da metafísica) estaria em redescobrir nos seus aspectos mal pensados, como no conceito de voz, a própria negatividade que se imagina estar fora dela.
Essa é, a meu ver, uma grande saída teórica para que a filosofia contemporânea não faça de seu avanço o motivo de apagar mensagens na garrafa lançadas pelos textos passados no oceano da história.
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